As normas de transfer pricing existem para que as autoridades fiscais de cada país possam avaliar se os valores envolvidos em operações intercompany estão dentro dos padrões de mercado praticados entre partes não relacionadas.
Nesse contexto, enquanto a autoridade fiscal de um país busca estabelecer se a receita tributável atribuída a uma transação não é inferior ao praticado no mercado, a autoridade fiscal do outro país busca verificar se a despesa dedutível nessa mesma transação não está acima do valor praticado no mercado.
Dessa forma, existem situações onde as autoridades fiscais dos países possuem opiniões divergentes sobre a mesma transação.
O contexto acima foi objeto de análise pela Receita Federal na Solução de Consulta 15/2025, onde o empréstimo concedido por uma empresa brasileira para a controladora estrangeira do seu grupo na Itália resultou em discussão sobre a taxa de juros aplicável e seus efeitos em função do Tratado contra a dupla tributação da renda entre Brasil e Itália (“Tratado Brasil-Itália”).
A empresa brasileira cobrou e reconheceu como receita tributável pelo IRPJ/CSLL uma taxa de juros de 11% estipulada com base nas antigas regras brasileiras de preços de transferência (com margens fixas, não alinhadas com o padrão da OCDE). Os referidos juros foram tributados por 15% do imposto de renda na fonte (IRRF) da Itália, conforme o Tratado Brasil-Itália, e compensados no Brasil com o IRPJ/CSLL devido pela empresa brasileira.
Todavia, após alguns anos, as autoridades fiscais italianas fiscalizaram a operação e consideraram que a referida taxa não atendia o padrão arm’s length e, dessa forma, a taxa de juros aplicável com base na sua legislação de preços de transferência era inferior (3,92%). A legislação interna italiana estabelece uma alíquota de 26% de imposto de renda na fonte (IRRF) sobre os juros.
Dessa forma, a Itália delimitou que apenas a taxa de juros determinada com base na sua legislação de preços de transferência (3,92%) estaria sujeita a alíquota de 15%, conforme artigo 11(8) do Tratado Brasil-Itália, com o restante estando sujeito a 26% de IRRF na Itália:
“8. Se, em conseqüência de relações especiais existentes entre o devedor e o credor, ou entre ambos e terceiros, o montante dos juros pagos, tendo em conta o crédito pelo qual são pagos, exceder àquele que seria acordado entre o devedor e o credor na ausência de tais relações, as disposições deste Artigo se aplicam apenas a este último montante. Nesse caso, a parte excedente dos pagamentos será tributável conforme a legislação de cada Estado Contratante e tendo em conta as outras disposições da presente Convenção.”
Em função dessa alteração na alíquota do IRRF da Itália, a empresa brasileira questionou a Receita Federal sobre a possibilidade de compensação desse IRRF adicional pago na Itália na compensação do seu IRPJ/CSLL no Brasil.
A Receita Federal considerou que a diferença do IRRF pago na Itália não seria inicialmente passível de compensação no Brasil, em função do Tratado Brasil-Itália estabelecer em seu artigo 23(1) que o crédito do IRRF deveria ter sido gerado de acordo com as disposições do Tratado Brasil-Itália, o que não ocorreu na visão do fisco brasileiro, tendo em vista que os juros teriam sido estabelecidos conforme as antigas normas de transfer pricing do Brasil.
Dessa forma, a Receita Federal concluiu que o pedido de uma solução de consulta não é o instrumento adequado, com o procedimento amigável previsto no Tratado Brasil-Itália devendo ser iniciado pelo contribuinte para que as autoridades fiscais dos dois países possam determinar sobre a fiscalização italiana e eventual creditamento do imposto pago no exterior.
Em resumo, o contribuinte ficou no centro de posições divergentes entre o fisco brasileiro e o fisco italiano, mas existem argumentos para buscar o aproveitamento do imposto pago no exterior em situações como essas.