A Diretoria de Portos e Costas (DPC) tem uma agenda extensa cobrindo atividades em todo o setor aquaviário brasileiro. Com as demandas nacionais e a acompanhamento de temas discutidos na esfera da Organização Marítima Internacional (IMO), a diretoria tem na pauta assuntos relacionados à segurança da navegação, prevenção do meio ambiente e salvaguarda da vida humana. A pandemia mundial do novo coronavírus abriu caminho para intensificar as avaliações sobre modalidades de cursos à distância, inclusive embarcados, e e-navigation — conceito que permite o acompanhamento do transporte de cargas através de equipamentos e sistemas eletrônicos. Combustíveis marítimos menos poluentes e redução de emissões também estão entre as preocupações do setor para esta e para as próximas gerações.
Em abril, a DPC passou ao comando do vice-almirante Alexandre Cursino de Oliveira, que sucedeu o vice-almirante Roberto Gondim Carneiro da Cunha. Em entrevista exclusiva a Portos e Navios, Cursino falou sobre a agenda da diretoria em 2020 e os novos desafios trazidos a partir da Covid-19. Por videoconferência, ele contou que a diretoria tem agido ‘com serenidade e firmeza’ no sentido de possibilitar agilidade nos processos envolvidos na comunidade marítima para enfrentar a situação trazida pela emergência de saúde.
Cursino afirmou que o setor marítimo tem sido referência de como equilibrar a manutenção da segurança das pessoas e o nível de atividade econômica. Ele destacou a supervisão funcional da DPC sobre aspectos técnicos de capitanias, delegacias e agências e o foco em melhorar comunicação para levar a mensagem de segurança da navegação da forma mais apropriada. O diretor de portos e costas defendeu o estímulo à criação de clusters marítimos e vê o futuro do país associado ao potencial de desenvolvimento das atividades no mar e nos rios. “Podemos contribuir para fomento dessa ideia porque economia do mar será parcela fundamental para retomada da economia brasileira nesse período pós-pandemia”, destacou Cursino.
Confira abaixo a entrevista com o diretor de portos e costas:
Portos e
Navios: A DPC tem, historicamente, extensa e abrangente participação em temas
do setor aquaviário nacional. Quais os temas prioritários na agenda da
diretoria em 2020?
VAlte.Cursino:
Entre os temas que estamos nos debruçando em 2020 ou que acreditamos terão
perenidade de atividades estão: o transporte de passageiros, a análise de
inquéritos de acidentes e fatos da navegação — com intuito de identificar quais
pontos críticos que podem ser minimizados ou erradicados, e também buscar
estabelecer requisitos técnicos ou adoção de medidas que possam contribuir para
aumento da consciência de todos que navegam e, principalmente, evitar perda de
vidas.
Um tema prioritário é a revisão dos currículos dos cursos de formação de portuários e aquaviários. Estamos imersos num ambiente de mudanças tecnológicas muito grande, com sistemas novos embarcados e a nível do porto. Percebemos tendência de incremento da modalidade de ensino à distância. Teremos que desenvolver uma modalidade que permita ao aquaviário, fluviário, portuário, fazer seus cursos talvez até mesmo embarcados.
Outro tema relevante para nós são as campanhas publicitárias sobre segurança da navegação, salvaguarda da vida no mar e prevenção da poluição hídrica, incluindo toda comunidade marítima e aquaviária. Outro tema é a continuidade das ações visando a prevenção da poluição hídrica. É um bem comum que o meio ambiente seja preservado. No caso da Marinha, principalmente litoral e rios brasileiros.
Faremos avaliações sobre introdução de alguns aspectos relacionados ao conceito de e-navigation, dentro dos conceitos disseminados pela IMO. E-navigation relaciona o binômio navio-porto através de canais eletrônicos de maneira que haja otimização do emprego do navio para transportar aquela carga. É um evolução que o mundo vem tendo em portos com maior eficiência logística. Vemos necessidade de iniciarmos as avaliações de como introduzir aspectos, dentro desse conceito, no cenário brasileiro.
Podemos contribuir com o fomento de clusters marítimos, que podem reunir instituições, serviços e atividades ligadas à Economia do mar, que será parcela fundamental para retomada da economia brasileira nesse período pós-pandemia. Identificamos que essa ideia acaba trazendo impacto positivo para toda localidade em volta do cluster, direta ou indiretamente, com forte efeito na economia local e iniciativas na área de Ciência e Tecnologia, como startups que possam crescer dentro do tripé academia, governo e economia privada. O cluster tecnológico do Rio de Janeiro já está criado e de Itaguaí (RJ) está sendo incentivado, com efeito multiplicador positivo.
O Brasil é um país com vocação marítima inconteste. Nosso futuro é pelo o mar e pelas nossas hidrovias. Brasil precisa estar com suas preocupações e seu planejamento estratégico ligado para o mar. Buscamos contribuir para percepção da importância do desenvolvimento de hidrovias e que a navegação de cabotagem seja solidificada na matriz do transporte nacional. Há diversos portos pelo Brasil e excelente formação, reconhecida internacionalmente. Temos tudo para crescermos como nação e podemos alavancar participação na economia mundial. A maioria dos países com PIB grande tem suas economias relacionadas ao mar.
PN: Com a
pandemia de Covid-19, o que mudou na rotina da DPC, sobretudo nas atividades
externas?
AC: O
primeiro aspecto foi o enquadramento às normas e recomendações. A situação é
emergencial de saúde pública. Levamos em consideração o cenário internacional
que requer da sociedade grande esforço para manutenção do desenvolvimento do
país e das atividades econômicas, sem esquecer das atividades sanitárias. Para
garantir que atividades marítimas e fluviais fossem mantidas, a autoridade
marítima buscou se antecipar aos fatos e desafios que vinham surgindo. A forte
parceria estabelecida há anos com diversos ramos da comunidade marítima e
náutica vem permitindo que atividades se mantenham, apesar de todas
dificuldades. O nível da atividade marítima e nos portos não teve decréscimo e
até se manteve em alguns setores.
Temos agido com serenidade e firmeza no sentido de possibilitar agilidade nos processos envolvidos na comunidade marítima para enfrentar a situação que a emergência de saúde trouxe para todos. Distritos navais, capitanias, delegacias e agências também apoiam a comunidade marítima e fluvial para permitir resiliência dos setores para enfrentar a situação da pandemia.
No início da emergência de saúde pública, a DPC editou portarias prorrogando validades de certificados de aquaviários, certificados estatutários e vistorias, validade de documentos de propriedade e regularidade de embarcações e plataformas de petróleo, nunca esquecendo de aspectos de segurança. Em termos cartoriais, fazendo com que o sistema fosse mais ágil e considerasse a dificuldade de tráfego de pessoas. O setor marítimo tem sido referência de como essas interações podem possibilitar equilíbrio entre a manutenção da segurança das pessoas e nível de atividade econômica adequado para permitir a continuidade das atividades.
PN: No
ensino profissional marítimo, haverá abertura de novas vagas? Quais funções vêm
recebendo maior demanda?
AC:
No ano passado, havíamos planejado aumento de 10% dos cursos. Para 2020, havia
previsão de formar aproximadamente 23 mil aquaviários. Com emergência de saúde
pública, tivemos que remanejar algumas turmas e fazer ajustes inerentes à
situação. A DPC continua envidando esforços para minimizar esses impactos. Há
necessidade de se adequar às orientações que autoridades públicas determinam.
Cada local tem maneira de conduzir a situação. Tentamos minimizar ou postergar
a realização de alguns cursos.
Historicamente, os cursos de formação aquaviário apresentam demanda muito grande. Buscamos aprimorar formação pedagógica dos alunos, investimos no corpo docente com consciência de formando profissionais que vão contribuir para segurança da navegação. Temos preocupação quanto à formação dos oficiais de marinha mercante formados centros de instrução (Ciaga-RJ e Ciaba-PA). A pandemia nos trouxe novas atitudes de higiene e mudanças de hábitos que têm sido incorporados no dia-a-dia dos alunos.
Ressalto a disponibilidade das empresas nacionais no cumprimento do programa de estágios dos oficiais. Precisamos de vagas para concluir os cursos e essas vagas são disponibilizadas pelas empresas para que praticantes formados pela EFOMM possam fazer estágio a bordo. Acompanhamos rotineiramente a disponibilidade que temos com a necessidade para saber qual nível de formação de oficiais e subalternos precisamos ter para manter o fluxo de profissionais qualificados no mercado. Não entramos em regulação no campo econômico ou trabalhista. Nosso aspecto é técnico.
PN: Quais
os principais temas em discussão relativos à adaptação de normas IMO?
AC:
DPC exerce função de secretaria-executiva da coordenação feita pela Marinha na
IMO. Dentre os diversos temas discutidos em Londres relacionadas ao aspecto de
proteção ao meio ambiente, está o alcance das metas de meio ambiente, que é
abrangente. Acreditamos que deve ser voltado para desenvolvimento sustentável.
Existem exemplos positivos pelo mundo de utilização do mar e rios gerando
economia e empregos, ao mesmo tempo, preservando o meio ambiente.
Assim como uma ação regulamentadora do transporte marítimo, como exemplo a redução de emissões de gases emitidas pelos navios. A IMO tem adotado recomendações, como a Marpol, que trata da poluição de óleo. Existe estratégia de redução progressiva de emissão de gás carbônico no transporte marítimo mundial, de tal maneira que atenda 50% até 2050 em relação a 2008. A partir de 2023, com a coleta de dados sobre consumo de óleo nos navios, se pretende revisar e adotar essa redução de maneira mais programada.
Outra iniciativa nesse sentido é a redução de emissão de dióxido de enxofre pelos navios, regulada recentemente (resolução IMO 2020). Também avaliamos possibilidade de encaminhamento e propostas de emendas no sentido de prevenir e permitir esclarecimento de incidentes como foi o derramamento de óleo que vitimou nosso litoral em 2019. Para propor discussões para que o que ocorreu aqui não ocorra em nenhum país do mundo.
PN: Essa
investigação continua? Está em qual instância?
AC: Continua
sendo realizada, não foi concluída. A responsável pela investigação é a
Diretoria de Hidrografia e Navegação.
PN: Qual
avaliação que a DPC tem sobre os primeiros meses de implementação das regras do
uso de combustíveis marítimos com menores teores de enxofre, que vigoram a
nível mundial desde janeiro?
AC: A DPC
editou a circular 7/2019 para divulgar procedimentos da utilização do
combustível com esse limite de 0,5% de enxofre. Não temos observado qualquer
tipo de ponderação em relação à regra. Nossos inspetores navais que atuam como
port state control têm rotineiramente verificado a observância da recomendação
IMO 2020 e da portaria 7. Não temos conhecimento de ponderação por parte da
utilização desse combustível.
PN: Como
autoridade marítima age quanto ao cumprimento da norma?
AC: A
autoridade marítima atua com cunho administrativo, assim como é a Lei de
Segurança do Tráfego Aquaviário (Lesta) e a Lei do Óleo (9966/2000). Existe
rito para notificar possível infrator, para ele apresentar defesa e seguir um
processo administrativo.
PN: A Convenção do Trabalho Marítimo (MLC/2006) é considerada importante porque abrange a contratação de tripulantes nacionais e estrangeiros. A norma está vigente a nível internacional desde 2013 e tramitou no Congresso Nacional. Quais as próximas etapas para essa norma vigorar no Brasil?AC: A Maritime Labour Convention (MLC/2006) foi submetida à aprovação recente da OIT e já foi submetida à aprovação do Congresso Nacional e aprovada por decreto legislativo em dezembro de 2019. A partir da ratificação da OIT, em 7 de maio, a convenção tem 12 meses para ter efeito e ser promulgada. Vai propor, junto com SOLAS, Marpol e STCW, outro pilar regulatório internacional do setor marítimo.
PN: Quais
os desafios para diretoria daqui em diante para ampliar a segurança do tráfego
aquaviário?
AC: Em
torno de 95% do comércio exterior brasileiro são pelo mar. Temos mais de oito
mil quilômetros de costa, 85% da produção de petróleo e 75% da produção de gás
natural é pelo mar, 45% do pescado é pelo mar e 90% do PIB brasileiro está no
mar. Por isso, é tão importante se preocupar e olhar estrategicamente a
economia do mar. Um dos maiores desafios da DPC é incrementar a divulgação dos
aspectos de segurança e prevenção de acidentes para que esse pacote econômico
seja incrementado. Nessa ação de incrementar prevenção de acidentes a toda a
comunidade talvez repouse nosso maior desafio.
Capitanias, delegacias e agências têm áreas de jurisdição com contextos diferentes. Desafios para focar como podemos melhorar comunicação para chegar com mensagem de segurança mais apropriada. A DPC atua, basicamente, nível normativo e de educação, tratando de mudanças de atitude. Fazemos desde 2005, com as operações de verão, e outro grande estímulo é aperfeiçoar normas e sistemas corporativos que contribuem para efeito desejado final para evitar acidentes.
Aspectos documentais contribuem para segurança da navegação. Realizamos mais de 180 serviços cartoriais nas capitanias, delegacias e agências, desde emissão e carteira de emissão de armador, até inscrição e registro de embarcação. A demanda por esses serviços cresce ano a ano. Em 2019, foram gerados 240 mil protocolos nos grupos de atendimento ao público nas capitanias, delegacias e agências. Nos últimos oito anos foram quase dois milhões de atendimentos feitos pela autoridade marítima. Dentro do contexto de supervisão funcional, acompanhamos desempenho delas através de sistemas corporativos. O desafio é incrementar ações cartoriais e de fiscalização para retomada da atividade econômica e de turismo do país, mas de maneira segura e ordenada.
Fonte: Revista Portos e Navios