– A arrancada do crédito privado este ano ampliou o peso do mercado de capitais no financiamento à infraestrutura, puxado principalmente pela demanda de pessoas físicas, que têm isenção de Imposto de Renda nos investimentos em papéis do setor. De janeiro a setembro deste ano, o BNDES desembolsou R$ 30,7 bilhões em crédito ao segmento, enquanto em debêntures incentivadas o montante foi 213% maior, de R$ 96,1 bilhões, recorde histórico e 41,7% superior ao contabilizado em todo o ano de 2023. Estudo da Vinci Partners mostra que, entre 2019 e 2023, o banco de fomento financiou mais do que o mercado de capitais apenas em 2020 e 2022, mas, nos anos em que as captações via debêntures ficaram acima dos desembolsos da estatal, a diferença máxima havia sido de 77%. “O Brasil ganhou três BNDES neste ano”, resume Aymar Almeida, sócio e gestor dos fundos de Infraestrutura da Kinea Investimentos.
Luciana Aparecida da Costa, diretora de infraestrutura, transição energética e mudança climática do BNDES, diz que a instituição participou, entre janeiro e outubro, de ofertas que somaram R$ 15 bilhões e subscreveu R$ 11 bilhões. “Houve operações em que demos garantia firme, mas a demanda foi tanta que acabamos ficando de fora, o que não é ruim porque o BNDES pode alocar em outra operação que não atrairia demanda de mercado”, comenta. E ainda há muito o que crescer. Dados da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib) apontam que o setor precisa de investimentos anuais de R$ 462 bilhões, mas em 2023 foram investidos apenas R$ 213 bilhões. “O país precisa dobrar o investimento em infraestrutura, e todos os instrumentos de liquidez devem ser usados”, completa Costa.
No passado, lembra Almeida, da Kinea, o BNDES tinha atuação dominante, com prazo e taxas bem melhores para o emissor, e veio reduzindo porque percebeu que, ao dividir garantias com instituições privadas, ampliaria as fontes de financiamento. “Tem espaço para todo mundo, nenhum ente vai conseguir protagonismo muito grande porque a necessidade de recursos é enorme”, avalia. Para o gestor, nos últimos oito anos o banco de fomento tem sido muito eficiente ao conciliar operações com taxas de mercado e linhas subsidiadas. “O BNDES precisa manter políticas de incentivo a setores que considerar importante para o país e, se o mercado privado quiser, acompanha”, comenta o gestor da Kinea, gestora do grupo Itaú.
De acordo com ele, as operações em parceria com o banco estatal são muito eficientes para os dois lados. “Fazemos diversas operações com o BNDES e, para nós, é muito bom, porque eles são muito técnicos e a avaliação dos projetos é mais segura, assim como para a instituição a parceria com bancos e gestoras privadas ajuda a precificar melhor a operação”, avalia. Segundo Marcello Almeida, sócio e chefe da área de crédito privado da Vinci, o Banco do Nordeste (BNB), banco de desenvolvimento relevante mas com menor orçamento, e o BNDES já entenderam a importância de atuarem como indutores de novos produtos em mercado de capitais, via editais públicos, como forma de atrair o capital privado. Hoje, afirma, o que se vê são captações entre 30% e 50% da estrutura de capital dos projetos via debêntures, acessando o mercado de capitais e investidores finais dedicados ao setor, como a própria Vinci – em fundos de crédito a gestora tem um total de R$ 6,2 bilhões, sendo R$ 2,2 bilhões em infraestrutura.
Dados do Centro de Estudos do Financiamento das Empresas Brasileiras da Fipe (Cefeb-Fipe) mostram que o BNDES respondia por 17,5% do exigível financeiro total das empresas brasileiras em 2016, fatia que neste ano caiu para 6,6%. “Lá atrás o BNDES era competidor do mercado de capitais e hoje é um atestado de qualidade, ou seja, uma mudança para melhor que veio para ficar”, avalia Carlos Antonio Rocca, coordenador da instituição. Segundo ele, o país está caminhando para uma composição mais eficiente do sistema financeiro, com crédito bancário focado em prazos curtos; mercado de capitais, em médio e longo; e bancos de desenvolvimento, em médio e longo prazo para pequenas e médias empresas e projetos que não se traduzem em rentabilidade privada, assim como inovação.
Além do incentivo do BNDES às captações privadas, Gustavo Cortes, sócio e gerente de portfólio da Vinci, chama a atenção para o fato de que o momento não está favorável para levantar capital via lançamento de ações na bolsa, há mais de três anos sem operações do tipo. Ao mesmo tempo, há grande fluxo de recursos para fundos de renda fixa e investimento direto nos papéis de infraestrutura. “Estes fatores contribuem para que as empresas acessem o mercado de crédito para fazer frente aos investimentos e refinanciamentos de dívida que precisam fazer, e explicam os volumes recordes atingidos recentemente pelo segmento.”
Relatório da área de pesquisa do Banco ABC Brasil mostra que, no ano até novembro, os fundos de infraestrutura, que são concentrados em debêntures incentivadas, tiveram captação líquida de R$ 100,1 bilhões. Nos de crédito privado, a captação líquida foi de R$ 315 bilhões no período. Diferentemente de outros países, que têm presença forte de grandes fundos de pensão e seguradoras, no Brasil os recursos vêm de pessoas físicas, via fundos ou diretamente nos papéis, por causa da isenção fiscal garantida pelas debêntures incentivadas. Neste ano, a forte migração de multimercados e renda variável, diante de desempenhos decepcionantes, e a taxação dos fundos fechados exclusivos ou restritos impulsionaram a demanda. “O modelo de força em pessoas físicas é bom, e o mercado secundário está aí para garantir liquidez para elas, embora a venda do título antes do vencimento tenha custo”, avalia Almeida, da Kinea.
O gestor ressalta, porém, que é preciso atrair seguradoras e fundos de pensão, por significarem um recurso de longo prazo e profissional para o setor. Almeida, da Vinci, por sua vez, diz que o crédito privado é capaz de proporcionar uma ótima relação entre risco e retorno em ativos de baixo risco, bem estruturados e com boas garantias. No caso da infraestrutura, afirma, há maior estabilidade no fluxo de caixa, gerando assim uma maior previsibilidade de devolução de capital mesmo em cenários de mais volatilidade. “O crédito privado tende a ser um substituto natural daquela renda fixa mais tradicional no Brasil, que hoje estima-se que ainda ocupe em torno de 70% a 80% da alocação padrão de um grande investidor institucional”, observa. “Em comparação ao que se vê nos mercados lá fora, esse mesmo perfil de investidor institucional já atua em várias classes de ativos alternativos, como crédito privado, private equity e fundos listados em bolsa.”