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Na Mídia - 11/03/25

A importância da intermodalidade para a descarbonização dos portos por Paulo Campos Fernandes e Felipe Castilho

   Opinião 

A descarbonização portuária não pode ser analisada isoladamente, pois suas emissões de gases de efeito estufa (GEE) estão diretamente ligadas à eficiência e à integração com os demais modais de transporte, incluindo o marítimo, ferroviário, rodoviário e hidroviário. A redução da emissão de carbono nos portos depende da implementação de soluções que envolvam toda a cadeia logística, garantindo que a transição para práticas mais sustentáveis ocorra de maneira equilibrada e sem comprometer a competitividade do setor.

O inventário de emissões de GEE em um porto mostra que a maior parte das emissões está concentrada em três fontes principais: a operação dos navios atracados, a movimentação de cargas dentro dos terminais e o transporte terrestre de mercadorias. Os navios atracados representam uma das maiores fontes de emissões, pois continuam consumindo combustíveis fósseis para alimentar seus sistemas auxiliares enquanto permanecem nos portos. O uso contínuo dos motores para geração de energia elétrica contribui significativamente para as emissões de dióxido de carbono, óxidos de nitrogênio e material particulado. Além disso, a movimentação de cargas nos portos, realizada por equipamentos como guindastes, empilhadeiras e rebocadores, também gera emissões significativas, especialmente quando esses equipamentos são movidos a diesel.

A intermodalidade desempenha um papel crucial na descarbonização dos portos, pois permite a redução das emissões associadas ao transporte terrestre de cargas. O modelo logístico brasileiro é historicamente dependente do transporte rodoviário, responsável por mais de 60% do escoamento de mercadorias no país, enquanto o transporte ferroviário, cabotagem e hidroviário ainda possuem participação reduzida. A ampliação da malha ferroviária e o incentivo ao transporte por via marítima podem diminuir significativamente a emissão de carbono do setor. Nos Estados Unidos, o Programa Green Freight, promovido pela Agência de Proteção Ambiental (EPA), fomenta a substituição do modal rodoviário por opções mais sustentáveis, incentivando o uso de ferrovias e vias navegáveis para o transporte de mercadorias.

No Brasil, algumas iniciativas voltadas à intermodalidade começam a ganhar força. O Plano Nacional de Logística (PNL 2035) prevê a ampliação da participação do modal ferroviário na matriz de transportes, reduzindo a dependência dos caminhões para o escoamento da produção. Além disso, programas como o BR do Mar, que incentiva a cabotagem, têm o potencial de reduzir as emissões no transporte de cargas ao longo da costa brasileira. A integração entre os portos e os terminais ferroviários também pode ser aprimorada, facilitando a conexão direta entre os diferentes modais e reduzindo a necessidade de deslocamentos rodoviários de longa distância.

Outra estratégia essencial para a descarbonização e eficiência logística no Brasil envolve a ampliação das concessões de hidrovias. O país possui uma das maiores redes hidroviárias do mundo, mas sua utilização para o transporte de cargas ainda é limitada em comparação a outros modais. Nos últimos anos, o governo federal tem promovido estudos para a concessão das principais hidrovias, como a Hidrovia do Madeira, a Hidrovia do Paraguai-Paraná e a Hidrovia do Tocantins-Araguaia visando a modernização da infraestrutura. Esses investimentos têm o potencial de expandir significativamente o transporte fluvial de cargas, reduzindo a dependência do modal rodoviário e, consequentemente, as emissões de gases de efeito estufa. A melhoria da infraestrutura hidroviária pode permitir o escoamento mais sustentável de grãos, minérios e outros produtos, aumentando a competitividade do comércio exterior brasileiro e contribuindo para um sistema logístico mais eficiente e menos poluente.

Além das ações voltadas à infraestrutura, políticas públicas podem desempenhar um papel fundamental para fomentar a intermodalidade e a redução das emissões no setor portuário. A criação de corredores logísticos verdes, com incentivos fiscais para empresas que adotam modais de transporte menos poluentes, pode estimular o uso de ferrovias e marítimo. Outro ponto importante é a regulamentação de incentivos financeiros para portos que adotam medidas de eficiência energética e eletrificação, tornando a transição para um modelo mais sustentável economicamente viável para operadores e terminais.

Aspectos Políticos e Regulatórios
A descarbonização portuária pode ocorrer tanto por meio de regulação governamental obrigatória quanto por iniciativas voluntárias do setor privado. No primeiro caso, os governos estabelecem metas rígidas e impõem restrições ao uso de combustíveis fósseis, determinando padrões ambientais e exigências para redução de emissões. No segundo caso, empresas e operadores portuários adotam medidas sustentáveis por iniciativa própria, motivados por exigências do mercado, demandas de investidores ou benefícios operacionais e financeiros.

As políticas públicas desempenham um papel central na promoção da descarbonização da economia, especialmente no setor portuário e logístico. Sem um arcabouço regulatório bem estruturado, o setor privado tende a adotar práticas sustentáveis de forma fragmentada e desigual. Assim, o País pode impulsionar a transição para operações portuárias mais limpas por meio de uma política de Estado estruturante, estabelecendo padrões ambientais obrigatórios, como metas de redução de emissões de GEE e incentivos à eletrificação das operações.

A criação de incentivos fiscais e financeiros, linhas de crédito verde, isenção de impostos para investimentos em tecnologias sustentáveis e estímulos à pesquisa e desenvolvimento de combustíveis alternativos, são medidas que podem acelerar essa transição. O planejamento estratégico do governo deve incluir o desenvolvimento de políticas de curto, médio e longo prazo para modernização da infraestrutura portuária, promovendo a adoção de tecnologias limpas e otimizando a logística intermodal.

No entanto, atualmente, o Brasil ainda não possui uma regulamentação específica para a descarbonização portuária, mas diversas iniciativas setoriais estão sendo discutidas. Entre os principais marcos legais e normativos que impactam a agenda de sustentabilidade no setor, destacam-se a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC – Lei nº 12.187/2009), que estabelece diretrizes para mitigação das emissões de GEE, mas não define regras específicas para o setor portuário, e o Programa Combustível do Futuro, proposto pelo Governo Federal, que busca incentivar a produção e uso de biocombustíveis e combustíveis de baixa emissão, incluindo a navegação. Além disso, o Plano Setorial de Mitigação e Adaptação às Mudanças Climáticas para a Consolidação de uma Economia de Baixa Emissão de Carbono na Agricultura (Plano ABC) tem impacto indireto sobre os portos, pois incentiva práticas sustentáveis na logística de exportação de commodities. O Projeto de Lei do Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (PL 528/2021) propõe a criação de um mercado regulado de créditos de carbono, que poderia impactar as operações portuárias ao incentivar a compensação de emissões.

Os estudos da ANTAQ sobre descarbonização portuária têm sido fundamentais para mapear o panorama atual do setor e orientar o caminho a ser seguido pelo país. Como resultado, foi identificada a necessidade de criar um inventário nacional de emissões portuárias, estabelecer critérios para incentivos fiscais e definir metas progressivas de redução de carbono. No entanto, a implementação de metas uniformes para todo o setor enfrenta desafios significativos, dada a diversidade operacional e estrutural das empresas portuárias. Nesse contexto, visando estimular a adoção voluntária de práticas sustentáveis pelo setor privado, o Ministério de Portos e Aeroportos tem enfatizado que dará prioridade ao acesso ao Fundo da Marinha Mercante e à análise de pedidos administrativos para empresas comprometidas com a sustentabilidade.

Enquanto o Brasil ainda discute a criação de normas específicas para a descarbonização portuária, países da União Europeia e dos Estados Unidos já implementaram regulamentações robustas para limitar as emissões no setor marítimo. A União Europeia, por meio do pacote regulatório Fit for 55, estabeleceu exigências para a redução das emissões de CO₂ no transporte marítimo, incluindo requisitos para portos e operadores de navios. Além disso, o EU Emissions Trading System (EU ETS) criou um mercado de carbono que impõe custos às emissões do setor de transporte marítimo, incentivando investimentos em tecnologias limpas, enquanto o FuelEU Maritime estabelece regras para o uso de combustíveis alternativos e metas progressivas de descarbonização até 2050. Nos Estados Unidos, o Clean Air Act regula as emissões de poluentes e impacta diretamente os portos, especialmente na Califórnia, e iniciativas como a Green Ports estabeleceram metas obrigatórias de eletrificação e adoção de combustíveis limpos nos portos de Los Angeles e Long Beach. O governo federal dos EUA tem investido em financiamento bilionário para modernização portuária, incentivando eletrificação e o uso de combustíveis alternativos.

Diante do avanço da regulação internacional, o Brasil precisa modernizar sua legislação para garantir que a descarbonização ocorra de forma eficiente e sem prejudicar a competitividade do setor logístico. Para isso, seria necessário criar um Marco Nacional de Descarbonização que defina metas claras para redução de emissões, inspiradas nas regulamentações europeias e americanas. A incorporação do setor portuário ao mercado de carbono poderia incentivar os portos a adotarem estratégias de compensação de emissões e participarem ativamente de mercados de créditos de carbono. Além disso, o estímulo à eletrificação e ao uso de combustíveis alternativos deve ser regulamentado, garantindo incentivos para a adoção de gás natural, biometano, etanol e hidrogênio verde no setor portuário e logístico. Outra medida importante seria a regulamentação do Onshore Power Supply (OPS), tornando obrigatória a implementação progressiva desse sistema em portos de grande movimentação para reduzir as emissões dos navios atracados. Para viabilizar essas mudanças, a criação de linhas de financiamento verde para infraestrutura portuária se mostra essencial, facilitando a modernização de terminais, a eletrificação de equipamentos e o desenvolvimento de projetos inovadores.

Dessa forma, a legislação brasileira poderá evoluir para oferecer segurança jurídica e previsibilidade aos investidores do setor, ao mesmo tempo em que garante que os portos brasileiros não fiquem para trás no cenário global de descarbonização. A transição para portos de baixo carbono depende de um esforço coordenado entre setor público e privado, garantindo que as mudanças regulatórias e econômicas sejam implementadas de forma planejada. O Brasil tem vantagens estratégicas, como uma matriz elétrica renovável e capacidade de produção de biocombustíveis, mas ainda precisa fortalecer seu arcabouço legal e regulatório para acompanhar o avanço de países desenvolvidos. Ao adaptar sua legislação e expandir seus incentivos para a descarbonização portuária, o país poderá reduzir suas emissões sem comprometer a competitividade logística, garantindo um futuro sustentável para o setor e fortalecendo sua posição no comércio global.

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Paulo Campos Fernandes e Felipe Castilho são advogados do escritório Kincaid Mendes Vianna

Fonte: Revista Portos e Navios