Há anos sob pressão da iniciativa privada, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) está prestes a definir mudanças nas duas principais normas que disciplinam a relação do poder concedente, a União, com os operadores de terminais portuários. É grande a expectativa do setor para conhecer a nova versão da resolução 55, que rege os contratos de arrendamento nos portos organizados, e da 517, que estipula as regras para construção e exploração de terminais de uso privativo. A proposta da agência já entrou em votação na diretoria, quando um dos seus diretores pediu vistas ao processo. A proposta prevê o restabelecimento do contrato de adesão como instrumento jurídico para a exploração dos terminais privados. Conforme definiu o governo no ano passado, ao publicar o decreto 6.620, os portos públicos destinados à movimentação de cargas gerais serão concedidos ao setor privado por meio de leilão. Mas os terminais voltados a cargas próprias poderão ser construídos e operados no regime de autorização, operando inclusive cargas de terceiros, desde que sejam subsidiárias e eventuais. A ausência dos contratos de adesão a partir de 2005, quando saiu a norma 517, tornou incerta a vigência das autorizações. Elas passaram a ser renovadas de maneira precária, às vezes até de ano em ano, o que trouxe forte insegurança jurídica ao setor. Ao revisar a antiga resolução, a Antaq restabelece a existência dos contratos, que passam a ter 25 anos de duração. Os operadores terão de respeitar padrões de eficiência, segurança, conforto, regularidade, pontualidade e modicidade nos preços privados para ganhar autorização da agência aos seus investimentos, o que não havia antes. A nova regra simplifica a documentação exigida dos investidores e cria indicadores de desempenho. A resolução não estabelece um percentual para a movimentação de cargas próprias. Diz apenas que ela deverá justificar por si só, técnica e economicamente, a implantação e a operação do terminal. É na revisão da norma 55, porém, que está guardado o maior potencial de controvérsia. Ela disciplina a relação entre autoridade portuária – em geral, a companhia docas ou a superintendência do porto – e as empresas que arrendam áreas e instalações portuárias. A medida ganha importância reforçada porque guiará os novos contratos de arrendamento. O novo texto preserva, sem mudanças, a previsão de que “a autoridade portuária poderá rescindir o contrato unilateralmente, por interesse público comprovado, caso em que a arrendatária será indenizada em montante a ser definido mediante processo administrativo regular”. Para executivos do setor, isso mantém o poder discricionário das companhias docas e deixa os arrendatários em desvantagem nas renegociações dos atuais contratos, que o governo já indicou ter intenção de fazer, com o argumento de que vem sendo mal remunerado pela cessão das áreas. Os contratos de arrendamento poderão durar até 25 anos e o prazo efetivamente fixado deverá ser suficiente para a amortização dos investimentos. Porém, há apreensão no tocante as condições em que eles poderão ser prorrogados. Na resolução 55 atualmente em vigor, a Antaq diz que o contrato original deverá indicar objetivamente quais são essas condições. No novo texto, reforça-se o poder da autoridade portuária. A renovação do contrato poderá ocorrer mediante justificativa e a autoridade portuária ganha a prerrogativa de negociar com a arrendatária a realização de novos investimentos e a atualização do valor de arrendamento. A decisão final será pautada pelo interesse público. De certa forma, a revisão da norma 55 atende a um pleito de várias companhias docas, endividadas e sem caixa para realizar os estudos ambientais e de viabilidade econômico-financeira necessários para a licitação de áreas arrendadas. Antes, esses estudos deveriam ser obrigatoriamente bancados pelas fragilizadas autoridades portuárias. A novidade é que os estudos poderão ser oferecidos agora pelos investidores, livrando as autoridades dessa despesa e acelerando licitações. Boa parte das inovações foi bem recebida pelas administrações portuárias, que tiveram reunião na Antaq para conhecer as novas diretrizes, no dia 24 de março. Mas elas não eliminaram completamente a insatisfação de parte dos representantes. Uma queixa é que pela nova regra as propostas de licitações deverão ser encaminhadas para análise da agência e isso, para algumas autoridades portuárias, significa um atraso desnecessário. A Antaq também pretende introduzir uma cláusula, nos futuros contratos de arrendamento, sobre a possibilidade de ampliação das instalações. As ampliações só serão permitidas em área contígua e quando comprovada a inviabilidade técnica, operacional e econômica de licitação para um novo arrendamento. Criam-se ainda três novas figuras jurídicas. O contrato operacional, de curto prazo e caráter excepcional, caracteriza-se pela não exclusividade no uso de áreas e instalações. É para movimentação e armazenagem de cargas, com duração de até 18 meses. O objetivo é atender empreendimentos voltados ao suporte de projetos de curta duração e escopo previamente definido. O contrato de cessão de uso que disciplina a utilização de terreno ou edificação na área do porto por entidade pública. Finalmente, o contrato de servidão pública de passagem, firmado entre autoridade portuária e o interessado pelo uso de área pública dentro do porto, visa ao acesso das instalações, mediante remuneração compensatória adequada. As novas resoluções, que deverão ser votadas e aprovadas na próxima semana, ficarão 30 dias em audiência pública. Antes de entrar em vigor, a Antaq fará uma análise das contribuições e dará contorno final aos textos.