– Cinco rotas logísticas e 190 obras. A iniciativa Rotas de Integração Sul-Americana, plano do governo federal lançado no fim de 2023, se propõe a integrar a infraestrutura do Brasil e de países da América do Sul, dinamizando o comércio da região. O plano é considerado positivo, mas ambicioso e complexo por envolver outros países. Especialistas preocupam-se também com uma possível falta de continuidade no projeto quando houver transição nos governos.
O primeiro grande marco do Rotas de Integração deve ocorrer no segundo semestre: a inauguração do lado brasileiro da Rota 2, a chamada Rota Amazônica, que vai conectar o Brasil por meio de hidrovias até Peru, Colômbia e Equador e, de lá, por rodovias, até portos no Pacífico. A ideia é que as obras estejam prontas a tempo da COP30, em novembro, em Belém do Pará.
POD NOS TRILHOS
O secretário de Articulação Institucional do Ministério do Planejamento e Orçamento, João Villaverde, explica que falta pouco para a conclusão da rota. “Já realizamos a reforma de portos de passageiros ao longo do trajeto e algumas concessões privadas necessárias para o projeto”, diz. “Agora, falta a dragagem do rio Solimões, para permitir a passagem de embarcações de maior calado, e a instalação de um posto de aduana 24 horas em Tabatinga (AM).”
A cidade amazonense faz fronteira simultaneamente com a Colômbia e o Peru e mesmo antes da inauguração já vem registrando um grande crescimento nas exportações. “Em 2024, a exportação de bens e serviços em Tabatinga foi maior do que o volume somado dos últimos sete anos”, conta Villaverde. O governo brasileiro vê bom potencial de exportação pela Rota 2 para produtos da bioeconomia, máquinas, equipamentos e bens de consumo provenientes de Manaus, para os países vizinhos e também para a Ásia e a América Central, além de abrir uma rota de importação para produtos primários e têxteis.
A inauguração do trecho hidroviário será o pontapé inicial de um ambicioso plano de infraestrutura, que envolve 11 Estados brasileiros e 12 países sul-americanos. Em 2024, foram desembolsados R$ 4,1 bilhões em gastos diretos pelo governo federal nas Rotas de Integração. Para 2025, foram incluídos mais R$ 4,5 bilhões na proposta de Orçamento enviada ao Congresso.
A iniciativa conta ainda com US$ 10 bilhões em recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e de instituições internacionais de fomento, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a Corporação Andina de Fomento (CAF) e o Fundo Financeiro para Desenvolvimento da Bacia do Prata (Fonplata).
Além da Rota 2, há quatro outros trajetos: Rota 1, Ilha das Guianas, conectando a região Norte ao Atlântico; Rota 3, Quadrante Rondon, uma malha multimodal que une Mato Grosso, Rondônia, Acre e Amazonas ao Pacífico; Rota 4, Bioceânica de Capricórnio, conectando o Sul e o Sudeste do Brasil até os portos do norte do Chile; e Rota 5, Bioceânica do Sul, partindo do Sul do Brasil até os portos da região central do Chile.
Apesar da grande extensão, o governo tem uma projeção otimista e espera concluir todas as obras do lado brasileiro até 2027. “Muitas obras são projetos que estão prontos e precisam apenas de recuperação, outros são obras iniciadas que foram abandonadas e precisam apenas ser concluídas”, afirma Villaverde.
Maria Fernanda Hijjar, sócia-executiva do Instituto de Logística e Supply Chain (Ilos), observa que a iniciativa é altamente complexa e que os projetos dependem das parcerias com os demais países para que sejam concretizados até seus pontos finais. “Nós não temos ingerência direta sobre como esses projetos serão tocados na Bolívia, na Colômbia e nos demais países.”
No entanto, ela destaca que o impacto das Rotas de Integração vai além da conexão com os demais países e que elas podem reforçar a logística do país. “A Ferrogrão, por exemplo, incluída no Quadrante Rondon, é muito importante para a logística interna do transporte da produção agrícola, independentemente da conclusão da rota.”
Hijjar acrescenta que o Brasil perde competitividade por conta da grande deficiência de infraestrutura logística em todas as frentes e modais. Ela observa ainda que o impacto das Rotas de Integração vai depender de sua competitividade. A especialista cita a Rota 3, do Quadrante Rondon, como exemplo. “Ele está localizado na região que bate recordes de produção agrícola, com a soja, e inclui obras muito relevantes para nossa competitividade internacional. Mas não podemos garantir que a sua competitividade será realmente maior do que o escoamento pelo Arco Norte. Tudo vai depender da demanda.”
Jean Melle, sócio da PwC, por sua vez, considera ambiciosa a previsão de conclusão das obras feita pelo governo brasileiro. “Temos uma série de desafios regulatórios, ambientais, fiscais, de controle aduaneiro e fitossanitário.” Outro ponto, lembra, é que o Brasil não tem um bom histórico de gestão de projetos. Segundo ele, talvez fosse mais prudente realizar as Rotas de Integração por fases, para otimizar os recursos. Melle considera que um dos desafios para o Brasil é transformar a iniciativa das rotas em uma política de Estado, para que o projeto tenha continuidade nos próximos governos. “Não há garantia de que isso vá ocorrer. Um outro grupo político pode dar prioridade a outros projetos, e o mesmo pode acontecer nos outros países.”
Por outro lado, o especialista aponta alguns fatores que podem favorecer a continuidade das Rotas de Integração para além do governo Lula e das transições de poder em outros países. “O envolvimento das organizações internacionais de fomento, por exemplo, dá mais firmeza a esses compromissos”, diz. Assim como investimentos externos realizados nas rotas. “Os chineses estão colocando US$ 1,3 bilhão no porto de Chancay, no Peru, e a conclusão da Rota 2 e da Rota 3 é muito interessante para tornar esse porto um hub de importação e exportação entre a Ásia e a América do Sul.”
Na avaliação de Melle, a Rota 1, que liga a região Amazônica brasileira às Guianas, é que apresenta menor impacto no comércio exterior. “Embora vá trazer benefícios internos para a infraestrutura”, destaca. “Há, por exemplo, projetos de integração da rede elétrica, na Rota 1, com linhas de transmissão que podem trazer mais estabilidade ao grid de energia.” Para ele, a Rota 3, do Quadrante Rondon, é a que possui maior potencial imediato, caso seja concluída integralmente até os portos do Pacífico. “Isso traria um caminho mais curto e menos custoso para a Ásia.”
Em todas as rotas da iniciativa, o governo brasileiro também aposta no crescimento do comércio intrarregional. Na América do Sul, apenas 15% do fluxo comercial acontece internamente. Na América do Norte, essa proporção é de 40%, enquanto chega a 58% e 62% na Ásia e na Europa, respectivamente. “Sem dúvida, se houver uma integração modal eficiente, de ferrovias, rodovias e hidrovias nessas rotas, com certeza isso pode reduzir custos e ajudar a logística com comércio intrarregional”, avalia Melle.
Antônio Márcio Thomé, professor do Departamento de Engenharia Industrial do CTC/PUC-Rio, está cautelosamente otimista com as Rotas de Integração. Ele observa que o projeto retoma importantes iniciativas de governos anteriores, mas que o conjunto é extremamente ambicioso.
Além disso, aponta Thomé, há uma opção por uma logística multimodal, em que um único operador pode realizar a logística de ponta a ponta, integrando os diferentes modais. Embora isso represente um ganho de eficiência, o professor diz que esse modelo encontra dificuldades de implementação no país. “A multimodalidade ainda sofre restrições importantes em todo o país, em função de problemas regulatórios.” Ele dá como exemplo o setor portuário, em que há problemas de acesso a infraestruturas como tancagem, entre outros.
Thomé cita ainda outros desafios a serem vencidos. “Precisamos melhorar a integração alfandegária e de vigilância fitossanitária com os países parceiros e melhorar as condições de integração entre os modais”, diz.
Para o empresário Paulo de Tarso, diretor do grupo BioGeo Energy, as rotas são importantes, mas o governo deveria olhar também outras oportunidades. “As rotas estão muito voltadas para o Pacífico e estamos deixando um pouco de lado outras oportunidades com parceiros como os árabes e os russos, por exemplo, por meio do Atlântico”, diz.
O executivo observa ainda que o governo deveria aproveitar a criação das rotas para fomentar a criação de Zonas de Processamento de Exportação (ZPEs) que estimulassem a industrialização. “Também seria importante cuidar desde já da criação de infraestrutura de apoio ao longo das vias”, acrescenta.
Villaverde, do Ministério do Planejamento, lembra que a iniciativa conta com a participação de outros setores do governo e de instituições públicas, como o Ministério dos Transportes e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). “Também estamos trabalhando junto aos demais Estados e com a sociedade para observar as oportunidades de conexão dessas novas rotas com a malha de transporte existente.”