Folha de S. Paulo – O governo federal está próximo de dar início à retomada gradual de 11,1 mil quilômetros de trilhos abandonados da malha ferroviária nacional. Hoje, o equivalente a 36% das ferrovias do país virou sucata, e as atuais concessionárias terão de indenizar os cofres públicos para que possam renovar seus contratos com a União.
Segundo técnicos do governo, essas indenizações têm capacidade de gerar aproximadamente R$ 20 bilhões, recurso que poderá ser reinvestido no próprio setor ferroviário.
POD NOS TRILHOS
Os trilhos abandonados estão nas mãos de três empresas, que assumiram trechos da antiga malha ferroviária federal no fim dos anos 1990.
A maior parte do traçado inoperante é controlada pela concessionária Rumo, dona de um total de 4.900 quilômetros de ferrovias paralisadas. A gigante dos transportes detém a Rumo Malha Sul (RMS), que tem 3.400 quilômetros de malha sem tráfego, além de 900 quilômetros parados na Rumo Malha Paulista (RMP) e 600 quilômetros na Rumo Malha Oeste (RMO).
O abandono também marca boa parte dos trilhos da Ferrovia Transnordestina Logística (FTL), controlada pela Companhia Siderúrgica Nacional. São 3.000 quilômetros sem uso. Outros 3.000 inutilizados estão sob a tutela da Ferrovia Centro-Atlântica (FCA), controlada pela VLI Logística, empresa que tem a Vale como principal sócia.
Os dados da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), que foram compilados por uma auditoria concluída pelo TCU (Tribunal de Contas da União) revelam que, se a situação de abandono total for somada aos trechos de de baixíssima utilização, a conclusão é de que mais da metade (57%) da malha nacional tem um nível de tráfego abaixo de um par de trens (ida e volta) por dia.
Até o início de novembro, a área técnica da ANTT, que fiscaliza as concessionárias, deve concluir um relatório sobre como se dará a devolução dos trechos. O tema já passou por audiência pública e tem sido discutido com unidades técnicas do governo, representantes das empresas e especialistas.
A necessidade de se dar um preço para cada trecho a ser devolvido sempre foi o principal obstáculo para que as negociações avançassem. De um lado, as concessionárias alegam que não receberam traçados 100% modernos e operacionais. De outro, o governo afirma que seus critérios só podem levar em conta uma referência de preço baseada numa ferrovia que possa ser utilizada.
Depois de anos de queda de braço, segundo pessoas envolvidas na negociação ouvidas pela Folha, chegou-se ao valor que poderá servir de referência para novas negociações entre concessionárias e governo, a partir de um acordo firmado para a devolução de um trecho da Rumo e chancelado pelo TCU.
Pelas estimativas, cada quilômetro de ferrovia hoje inutilizada poderá gerar uma indenização média de R$ 1,5 milhão a R$ 2 milhões, com variações para cima ou para baixo, dependendo da complexidade de cada caso. Como há mais de 11,1 mil quilômetros de trilhos para serem devolvidos, o valor potencial dessas indenizações chega a cerca de R$ 20 bilhões.
Para as concessionárias, trata-se de um cenário bem menos oneroso do que aquele atrelado ao preço de construção de uma ferrovia nova. Hoje, para cada quilômetro de trilho construído do zero, as estimativas de custo oscilam entre R$ 15 milhões e R$ 20 milhões.
Os detalhes para a retomada dos trechos deverão ser divulgados em breve pela ANTT e pelo Ministério dos Transportes. As concessionárias acompanham cada passo dessa operação, porque são hoje as maiores interessadas em se livrarem desse passivo.
“A Rumo mantém diálogo constante com o poder concedente para modernização da agenda setorial e aperfeiçoamento do marco regulatório, inclusive no que diz respeito a trechos não operacionais”, declarou a empresa, sobre as tratativas para devolução e indenização dos trechos.
A FCA afirmou que a entrega de seus trechos à União “está sendo tratada no âmbito do processo de renovação antecipada da concessão” da empresa e que “o processo de devolução conta com um estudo de destinação do referido trecho que é compartilhado com o governo para avaliação junto de diretrizes de política pública”.
Segundo a FTL, a solução caminha para uma saída mais sensata, porque os trechos paralisados que a empresa assumiu foram originalmente idealizados para transporte de passageiros e já estavam em situação precária quando ela passou a operar a malha.
“Mesmo antes da concessão, vários deles já apresentavam inviabilidade operacional e comercial, com sérios riscos de acidentes, impossibilitando a operação de trens de carga”, diz a empresa. “Depois, vários desastres naturais causaram severos danos à estrutura implantada. Assim, logo após o início da concessão ou durante o curso do contrato, deixou de haver circulação de carga nestes trechos.”
A Ferrovia Centro-Atlântica segue a mesma argumentação. “A FCA é uma ferrovia centenária, em que a utilização ou não de trechos é reflexo de mudanças e dinâmicas da economia brasileira ao longo do tempo”, afirma.
Davi Barreto, diretor-presidente da ANTF (Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários), que representa as concessionárias, disse que há uma oportunidade de que as indenizações possam ampliar o modal ferroviário no país.
“A expectativa do setor é que seja possível definir parâmetros objetivos e aderentes à realidade de mercado, de forma a viabilizar acordos administrativos junto ao Poder Executivo que permitam que os recursos sejam revertidos de forma efetiva em investimentos na malha ferroviária”, disse Barreto.