As concessionárias de ferrovias estão explorando apenas 38% da malha cedida pelo governo. Do total de 28,8 mil quilômetros administrados pela iniciativa privada, quase 18 mil quilômetros de trilhos não vêem a passagem de uma única composição por dia. Insatisfeitos com estes números e com o custo do frete, o Governo e a Agência Nacionais de Transportes Terrestres (ANTT) trabalham em um conjunto de medidas que promoverá a maior reforma regulatória no setor desde a privatização da Rede Ferroviária Federal (RFFSA), em 1996. Além da obrigatoriedade de compartilhar suas malhas com os demais operadores, as concessionárias terão novas metas de desempenho – que é medido em toneladas transportadas por quilômetro útil (TKU), unidade de referência no setor. Nos contratos de concessão, foram estabelecidas metas de aumento de produção. As empresas investiram mais de R$ 20 bilhões na modernização das malhas, em 13 anos. O problema, na avaliação oficial, é que tudo isso ficou excessivamente concentrado. A percepção da ANTT e do Ministério dos Transportes é que as concessionárias privilegiam regiões de maior demanda e deixam semi-abandonados 62% de seus trilhos, inviabilizando pequenos e médios usuários de escoar sua produção pelas ferrovias.Existem trechos concedidos onde há anos não passa um único trem. Neste sentido a revisão fará com que as metas sejam fixadas para cada um dos corredores ferroviários dentro de uma mesma concessão e não apenas para o conjunto, como atualmente é adotado.Com as novas metas, todos os trechos deverão ser ativados, ainda que não ofereçam a mesma rentabilidade dos mercados mais nobres da área de concessão. Vale observar que os contratos existentes já permitem a fixação de metas específicas, mas a ausência delas foi a opção feita até agora. O Governo acena que se as empresas não aceitarem as novas metas – por avaliar que o investimento necessário é inviável – ou não conseguirem cumpri-las, a concessão deverá ser retomada. As concessionárias também serão obrigadas a compartilhar suas malhas. No jargão do setor, é o que se costuma chamar de “direito de passagem”. Ou seja, um operador tem direito ao uso da malha de outro desde que para isso haja pagamento de tarifa, algo semelhante ao que acontece no setor elétrico. O direito de passagem já consta dos contratos de concessão, mas é uma prática pouco disseminada atualmente. A restrição está no fato de que esse sistema só pode ser adotado, conforme dizem os contratos, quando houver “impossibilidade” de “tráfego mútuo” entre as concessionárias. Por esse sistema, hoje mais comum, a operadora da ferrovia pode levar a carga de seus clientes até a divisa da concessão. A partir dali, tem que entregar todo o material contratado para ser transportado por outra concessionária. Raramente há “impossibilidade” logística de trocar a carga, mas a ANTT promete baixar uma resolução esclarecendo que a “impossibilidade” pode ser também comercial, abrindo espaço para o compartilhamento das malhas e o aumento da concorrência pelas grandes cargas. Como referência tem-se o sistema ferroviário europeu. Na maior parte dos países do continente, a malha é gerida e operada por uma única empresa, privada ou pública, e os diversos operadores ferroviários podem entrar livremente em toda a malha, desde que paguem tarifas e os trilhos estejam livres. A ANTT também pretende exercer uma regulação mais forte nas tarifas-teto que as concessionárias podem cobrar dos usuários. Considera-se que os preços estão distorcidos porque a privatização da RFFSA foi feita com as tarifas em bases muito elevadas. Para corrigir esse problema, a ANTT fará um levantamento dos custos ferroviários e apontará novos limites às tarifas. Tanto esta como as outras medidas virão por meio de resoluções do próprio órgão regulador, dispensando projetos de lei e decretos presidenciais. A intenção é que elas serão detalhadas em 2009 para implementação em 2010.