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Newsletter - 16/02/09

HEDGE CAMBIAL SOB A PERSPECTIVA DA LEI BRASILEIRA

No turbilhão da crise que afetou os mercados financeiros globais, uma das conseqüências no Brasil foram as enormes perdas de companhias, sobretudo exportadoras, com o insucesso das suas operações de hedge cambial, em face da súbita e acentuada alta do dólar. Com isso, perdas gigantescas foram reveladas nos resultados de grandes e sérias corporações, aquelas que justamente têm apresentado sólidos ganhos nos últimos anos em suas receitas operacionais. Esta situação súbita e imprevisível dá lugar a reflexão sobre aplicações da lei brasileira aos contratos de hedge cambial. Em primeiro lugar é interessante registrar decisão em recente julgamento da corte judicial do distrito central de Seul, na Coréia do Sul. Assim como no Brasil, outros países do mundo, incluindo a Coréia do Sul foram supreendidos com a crise financeira. No caso em tela, a corte coreana decidiu pela anulação de contratos dessa natureza entre duas empresas exportadoras sul-coreanas – a DS LCD e MonAmi e o Standard Chartered Bank – em uma ação judicial movida pelas exportadoras. A base da argumentação estaria centrada no conceito de que tais contratações são exigíveis, em sua liquidação, desde que tais variações cambiais se processem dentro de um espectro razoável, o que não teria ocorrido com a súbita apreciação do dólar. Há quem argumente que os contratantes, buscando aquele recurso protetor do hedge, estariam se submetendo às sempre possíveis variações de uma moeda corrente, na medida em que essa potencial flutuação seria da natureza mesma da proteção que ali se procura. O contra-argumento, aqui bem ponderável, é que no espectro padrão das operações de cobertura, leva-se em conta variações ocorrentes dentro de um curso mediano da economia, e não os desvios graves, súbitos e desproporcionais como os que sucederam na cotação da moeda americana no rastro da gravíssima crise financeira global. Na perspectiva da legislação brasileira é razoável se suportar ainda essa senda pela anulação desses ajustes nas exigibilidades estritas dessas cláusulas de liquidação pelo valor inflado do dólar, no princípio expresso no artigo 421 do Código Civil, onde se afirma que a liberdade de contratar é exercida em razão e nos limites da função social do contrato. Não se pode negar que tais contratos de hedge têm uma finalidade de assegurar garantia de compensação de perdas possíveis. Portanto, deve-se concluir que sua funcionalidade social fica distorcida, ou aviltada, quando a flutuação da moeda de conta, referência base da operação, sofre um brutal e imprevisível aumento. Em outra dimensão, através do artigo 422 do Código Civil, tem-se que as partes devem guardar na execução dos ajustes o princípio da boa-fé, hoje consagrado pelos estudiosos como a “boa-fé contratual”. Observa-se que os bancos, as instituições financeiras, nos contratos de hedge cambial, tratam de estabelecer limites para suas eventuais perdas na liquidação das operações ali tratada. Fixa-se um teto ou no caso, um chão, para além do qual as operações não respondem se a moeda americana passar daquele quantitativo na sua taxa de conversão.  Todavia, o mesmo não ocorre para o outro pólo contratante. Esse desbalanceamento entre a posição contratual do banco, que é o operador privilegiado do comércio da moeda, e a empresa que procura seu escudo no hedge cambial, também contribui para o questionamento da juridicidade dessas cláusulas de liquidação tão ruinosa. Também há que se notar que esses contratos, cuja execução é, por conceito, diferida no tempo, permitem que a parte que se vir afetada por uma obrigação de pagamento tornada excessivamente onerosa em vista de fatos extraordinários e imprevisíveis possa pedir a resolução, o término do ajuste, ou sua revisão. O objetivo é tornar o contrato mais adequado e razoável, conforme permitem os artigos 478, 479 e 480 do Código Civil. Pelo que se observa, já com uma sólida base legal na ordem jurídica brasileira e com respaldo em uma pioneira decisão da corte coreana em uma hipótese idêntica, as empresas brasileiras que se acharam presas a esse desmedido cometimento com liquidações extremamente onerosas podem procurar a revisão ou a anulação dessas cláusulas contratuais que se tornaram abusivas.